É uma garrafa que parece de plástico, mas é composta a 100 por cento por material orgânico, à base de algas marinhas. Esta nova embalagem é fruto de investigação portuguesa e conta com ajuda de uma fundação ligada à defesa do ambiente, em conjunto com uma marca algarvia de águas minerais.
Num mundo onde a necessidade de consumo é uma constante, o plástico é um dos subprodutos derivados do petróleo mais utilizados. Desde os componentes e equipamentos eletrónicos, estruturas, vestuário ou embalagens de conservação alimentar, o plástico é para muitos um milagre. Mas é também um “mal” necessário. Um dos principais problemas é a eliminação.
Embora a indústria já recicle uma boa percentagem deste tipo de resíduo, o certo é que essa solução, só por si, não chega.De acordo com estudos elaborados nas últimas cinco décadas, o consumo de plástico está em constante crescimento, estimando-se que em todo o mundo se produza, anualmente, cerca de 400 milhões de toneladas deste polimero.
Olhando à estimativa presente, a produção em 2050 pode chegar aos 33 mil milhões de toneladas, com centenas de milhares de milhões de dólares investidos em novas fábricas de produção de plástico, incentivadas pelo consumo nos países em economias emergentes.
Segundo a ONU, este constitui o maior desafio ambiental do século XXI.
Por cá, apesar de haver políticas que desincentivam o uso de plástico, como por exemplo o pagamento dos tradicionais sacos nos supermercados, só em 2018 Portugal produziu 600 mil toneladas de plástico, das quais só 72 seguiram para os ecopontos.
Se tivermos em conta que anualmente cada português utiliza, em média, mais de 460 sacos de plástico, a perspetiva nacional não é muito animadora. A juntar a estes números está comprovado estatisticamente que Portugal é o país europeu que mais usa sacos e garrafas de plástico.
Tradicionalmente, estamos habituados a olhar para as garrafas de água com uma apresentação translúcida, mas esta nova garrafa, à primeira vista, até parece ser confundida com uma normal embalagem de leite. Na verdade, apenas o aspeto é igual.
O novo material, apresentado sob a forma de garrafa de água mineral, surge no âmbito de um protocolo estabelecido entre a Mirpuri Foundation e a Universidade do Minho (UMinho) em 2018, para a construção de um programa de investigação e desenvolvimento. Veio criar uma alternativa que altera o rumo da produção em massa de embalagens de plástico, substituindo, por exemplo, as garrafas de água. Através do investimento da Fundação, um grupo de cientistas da UMinho, coordenado por Raul Fangueiro, docente e investigador da Escola de Engenharia, elaborou um protótipo que pretende revolucionar a industria dos bens de consumo: uma embalagem 100 por cento biodegradável e compostável, substituindo assim as opções descartáveis e com longos períodos de decomposição.
“Nós neste processo, desenvolvemos uma composição polimérica, de base natural, que foi transformada num recipiente, que é uma garrafa e que tem na sua composição algas”, refere o investigador da Escola de Engenharia da UMinho.
O desafio inicial lançado pela fundação, que procura a defesa ambiental e a eliminação e uso mais racional do plástico, foi criar uma embalagem mais amiga da natureza e que pudesse ser totalmente decomposta em curto prazo na natureza.
“A garrafa é produzida a partir de amido [existente em alguns vegetais como o milho ou a batata] e esse polímero de base natural foi estudado e combinado com estas algas até chegarmos a uma composição que permite ser processada em ambiente industrial e transformada em embalagens. Neste caso especifico na the Good Bottle”.
100% biodegradável
O plástico, apesar dos seus problemas ambientais, é uma das grandes invenções da humanidade. Prático, resistente, leve e barato, serve como embalagem para quase tudo. Motivo pelo qual a produção deste material continua, atualmente, a ter um aumento exponencial.
Apesar do uso de polímero termoplástico [polietileno tereftalato – PET], perfeitamente passível de reciclagem, na fabricação de produtos consumíveis e facilmente descartáveis, como as garrafas, estes produtos, ainda assim geram o forte impacto ambiental devido aos elevados números de produção mundial.
Sendo que, mesmo com uma elevada taxa de recolha para reciclagem, em 2016 estimou-se que menos da metade das garrafas compradas foi reconvertida pelo método de reciclagem. E o que sobra deste produto acaba em montanhas de aterros sanitários e/ou na pior das hipóteses vai para aos rios e consequentemente aos oceanos, afetando um vasto ecossistema que acaba por também chegar até nós.
Um problema que a comunidade científica estuda e tenta solucionar à nascença. São já algumas as empresas que, num contexto mais próximo do equilíbrio entre a produção – consumo e meio ambiente -, encontram soluções menos agressivas e ecológicas.
Neste contexto, a utilização de componentes naturais como o amido e resinas, associados ao plástico, continuam a conferir a resistência e a eficácia necessária às embalagens. Embora o tempo de longevidade e degradação no ambiente destes produtos [exemplo: garrafa de água] seja já bastante menor (cerca de dez anos) do que um produto feito exclusivamente do material original e derivado do petróleo (cerca de 400 anos), uma década continua a ser um período bastante longo e com consequências danosas ao ambiente.
Raul Fangueiro, da Escola de Engenharia da UMinho, diz que existem vários projetos em todo o mundo, na tentativa de substituir o plástico por um composto mais amigo do ambiente. Esta garrafa é mais uma aproximação nesse sentido, com a vantagem de ter sido mesmo convertido num produto consumível e que vai ser colocado no mercado. “Um desafio societal importante e que é a questão da sustentabilidade”, refere o investigador.
Além deste objetivo, que em muito vai beneficiar o ambiente, este produto decompõe-se ao fim de um ano num ambiente doméstico e sem necessidade de combustavel ou aditivos químicos.
Águas de Monchique lançam garrafa no mercado
Este projeto lançado pela Fundação Mirpuri e desenvolvido em conjunto com a Interface Fibrenamics, da Universidade do Minho, foi apresentado à Sociedade Águas de Monchique, que viu com muito agrado a possibilidade de se juntar a algo tão nobre a nível ambiental.
Desta forma coube à empresa de águas do barlavento algarvio a responsabilidade de contribuir na solução industrial com este material inovador num produto que possa ser disponibilizado em massa ao mercado.
Em conversa com a RTP, Vítor Hugo Gonçalves, presidente da Sociedade Águas de Monchique, refere que a parceria surgiu de uma forma bastante natural, pela forma inovadora como a marca desta água nacional se apresenta mercado, bem como pela necessidade do conceito sustentabilidade.
“Foi uma honra para nós poder fazer parte deste projeto que ainda está em desenvolvimento”, mas que a empresa conta, ainda este ano, colocar no mercado.
O presidente da Sociedade Águas de Monchique revela que esta garrafa não é apenas uma campanha de charme ou de imagem bonita: “É importante que as pessoas entendam que isto não se trata apenas de uma imagem. A garrafa já existe na realidade e a água já foi engarrafada e vai ser apresentada este sábado – dia 5 de junho – na Volvo Ocean Race, na corrida dos Oceanos. O local mais indicado para lançar uma garrafa deste tipo”.
Da natureza para respeitar a natureza
The Good Bottle, um produto composto por uma base polimérica compostável em ambiente doméstico, contém algas, as quais, durante a degradação, servem de alimento a espécies marinhas. Mas não é só a embalagem. Também a tampa é produzida a partir da mesma composição, contando com as mesmas caraterísticas de biodegradação.
Este produto totalmente biocombustável apresenta uma taxa de biodegradabilidade de 74 por cento, ao fim de 45 dias, e em condições de compostagem controlada de acordo com a norma ISO 14855-1:2012. E de 90 por cento até 12 meses, dependendo das condições a que está exposta, de acordo com a norma ISO 13432.
Um tempo bastante agradável para o coordenador da UMinho neste projecto, que explica esta garrafa comparativamente aos plásticos que estão no mercado, tem um ganho de biodegradação inultrapassável.
“Quando falamos em plásticos que utilizamos diariamente que podem durar 100, 200 ou mesmo 3000 anos para degradarem completamente”, explica Raul Fangueiro.
Sendo esta garrafa feita a 100 por cento de origem vegetal e de algas, não poderá o material, em contacto com a água, um solvente natural, apropriar-se indevidamente do composto orgânico?
“Não, porque obviamente antes de colocar este produto no mercado [testar a garrafa com água] fez parte de todo o processo de desenvolvimento e foram feitos todos os ensaios que estão estipulados em termos de legislação internacional”, justifica Raul Fangueiro.
De igual forma, o CEO das Águas de Monchique sublinha que “esse foi um cuidado que desde do início, quer a empresa detentora do produto água, quer a UMinho, quer a fundação Mirpuri, foi o grande desafio. Conseguir um package que no fundo preservasse as qualidades químicas, bacteriológicas da água Monchique”.
Além de não criar qualquer interferencia na água engarrafada, a embalagem apresenta outras vantagens, como o facto de poder ser consumida pela fauna marinha, caso estas embalagens cheguem ao oceano, como tantas outras de plástico e que acabam por poluir e perdurar por séculos.
A composição de base do material e o contacto permanente com a água originam a hidrólise num horizonte temporal curto.
O material também é biodegradável em contacto com lixo orgânico.
“Esta é uma iniciativa pioneira e inovadora, que pretende liderar a mudança necessária, inspirando os mais diversos setores a oferecerem ao consumidor escolhas cada vez mais responsáveis e que não ameacem a sobrevivência das gerações futuras”, refere Paulo Mirpuri, presidente da Fundação Mirpuri.
O projeto
Este projeto totalmente pensado para ser amigo do ambiente, com o intuito de reduzir a utilização de plástico, bem como a biodegradação rápida e natural, teve também em conta a investigação, criação e produção total com a marca Portugal.
Entre as vantagens da Good Bottle para a conservação dos Oceanos, destaca-se os resultados do estudo de avaliação da toxicidade aguda realizado em ambiente marinho, usando peixes-zebra, o qual registou efeitos excelentes em comparação com a registado com polímeros convencionais.
Apesar da criação deste tipo de produto 100 por cento biodegradável, o investigador da UMInho admite que o plástico, tal como o conhecemos, ainda fique por cá muito tempo. Todavia, o importante é dar um passo para a substituição progressiva dos apelidados single use plastics – ou seja, os plásticos de uso único e descartáveis.
Para João Bessa, Technology Manager da Interface Fibrenamics da Universidade do Minho, este projeto “foi sem dúvida bastante ambicioso, cujo desafio desde logo nos atraiu pela necessidade emergente de desenvolvimento de novas soluções sustentáveis para o futuro. Não apenas para as pessoas, mas também para a mãe natureza”.
Fonte: Nuno Patrício – RTP atualizado 5 Junho 2021