Entrevista
Catarina Cubo é estudante de doutoramento do Programa Doutoral em Engenharia Industrial e de Sistemas no Departamento de Produção e Sistemas e no Centro Algoritmi da Escola de Engenharia da Universidade do Minho, sendo suportada por uma bolsa de doutoramento da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia. É membro do grupo de investigação “Quality and Organizational Excellence”. A sua formação de base é o Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica e o Mestrado em Engenharia e Gestão da Qualidade, ambos na Universidade do Minho.
Poderia falar-nos um pouco acerca do que esteve na base deste estudo? O que a motivou e porque selecionou esta temática?
Catarina Cubo (CC): O estudo do World State of Quality (WSQ) surgiu no âmbito da minha dissertação de mestrado em engenharia e gestão da qualidade, cujo objetivo era aferir o estado da macroqualidade nos diferentes países, tendo por base os resultados de diversos relatórios e estudos que são publicados regularmente por entidades credíveis. A dissertação foi, por isso, um projeto piloto no qual foi desenvolvido um modelo com dimensões e indicadores para compreender o estado da qualidade para os países da União Europeia, denominado por EQS – European Quality Scoreboard.
Ter iniciado investigação nesta área foi um desafio lançado pelo meu orientador, Professor Paulo Sampaio, uma vez que foi identificado um gap relativamente a um scoreboard na área da qualidade, embora já existisse ao nível da inovação, empreendedorismo ou competitividade. No entanto, não foram encontrados estudos similares na área da qualidade, o que torna este trabalho inovador, desse ponto de vista, na medida em que esta foi uma oportunidade de investigação que surgiu desta lacuna existente que foi identificada.
Quais os principais objetivos deste estudo?
CC: O projeto World State of Quality (WSQ) tem como objectivo avaliar o desempenho de diferentes países em termos de qualidade, ou seja, este estudo pretende aferir a macroqualidade nos países utilizando um conjunto de indicadores para assim poder identificar possíveis áreas de melhoria na área da qualidade. O WSQ assenta num conjunto de indicadores agrupados em várias dimensões da qualidade.
A edição de 2017 marca a primeira publicação a nível mundial, de um relatório que se pretende que seja realizado e publicado anualmente, tendo em conta esta metodologia e temática, abrangendo um total de 110 países. Este estudo tem por base a utilização de dados disponíveis em diferentes áreas e que sejam divulgados ou publicados regularmente por entidades credíveis e que possam caraterizar a macroqualidade de um país. Importa, por isso, esclarecer que a macroqualidade é a qualidade quando abordada ao nível de um país ou a nível internacional, o que leva a que esteja mais relacionada com organizações nacionais ou multinacionais, incluindo entidades públicas e governamentais.
De forma sucinta, poderia explicar-nos como foi feita a seleção das dimensões e indicadores utilizados?
CC: As dimensões e indicadores escolhidos para compor o modelo WSQ foi feita com base em várias sessões de brainstorming entre os vários membros da equipa do projeto (Catarina Cubo e Paulo Sampaio da Universidade do Minho, e Pedro Saraiva e Marco Reis da Universidade de Coimbra), assim como a consulta de vários especialistas, como forma de abranger diversas dimensões, compostas por um ou mais indicadores, que melhor pudessem refletir a macroqualidade de um país. Como resultado deste processo, são parte deste modelo as dimensões Organizações, Profissionais, Investigação, Educação, Saúde, Competitividade, Coesão Social, Sustentabilidade, Inovação e Satisfação.
Quais as principais diferenças, em termos metodológicos, entre o World State of Quality e o European Quality Scoreboard?
CC: Quer o World State of Quality (WSQ), quer o European Quality Scoreboard (EQS) têm por base um modelo definido por dimensões e indicadores que permitem caraterizar a macroqualidade. O EQS foi um projeto piloto para os países da União Europeia, em 2016, assentando num modelo com 10 dimensões e 21 indicadores. Tendo o modelo sido validado pelos pares, procedeu-se à sua expansão para nível global, por forma a abranger tantos países quantos aqueles que fosse possível, tendo em conta a disponibilidade e acessibilidade dos dados. Tendo em conta que alguns dos indicadores do EQS tinham como fonte de dados o Eurostat, foi necessário proceder-se a uma reformulação do modelo, de modo a abranger as mesmas áreas, não desvirtuando as dimensões do modelo, revisitando os indicadores do mesmo. Assim, o WSQ assenta em 10 dimensões e 16 indicadores e foi possível fazer análise de 110 países em 2017. Além da alteração dos indicadores do modelo, o peso de cada indicador foi reajustado. Para finalizar, a criação dos diferentes grupos de países passou a ser feita tendo como base apenas o valor da pontuação final de cada país, para que cada grupo fosse constituído por países com comportamentos e valores semelhantes. A restante metodologia de recolha e análise dos dados foi mantida.
Quem são os principais beneficiários deste estudo e de que forma poderão utilizar os seus resultados?
CC: Esta abordagem e este relatório têm como principais destinatários e beneficiários os governos e as organizações e associações na área da qualidade, apresentando-se como uma ferramenta de apoio à decisão. Esta ferramenta possibilita a identificação de pontos fortes e áreas de melhoria e permite criar orientações para definir estratégias e políticas com o intuito de melhorar a qualidade de um país. Com isto, será possível suportar uma melhor decisão e definição das políticas e estratégias na área da qualidade para os governos, associações e até as próprias empresas
No futuro, é expectável que o WSQ possa ajudar a identificar os caminhos e tendências dos diferentes países relativamente a esta área, tendo por base a evolução dos mesmos neste estudo ao longo dos anos.
Por outro lado, em termos de limitações deste estudo, o acesso aos dados apresenta-se como a principal dificuldade, uma vez que nem sempre estes estão disponíveis em tempo útil, pelo que a recolha dos dados, tendo-se assumido como referência os dados mais recentes de cada indicador disponíveis a meio de cada ano civil.
No artigo “Macroquality measurement: world state of quality and European quality scoreboard approaches and results”, refere que é possível definir clusters de países, levando em conta as semelhanças e diferenças dos perfis de qualidade. Do seu ponto de vista, que estratégias poderiam ser delineadas recorrendo a esta informação?
CC: A criação dos grupos é feita com base no valor da pontuação global de cada país, o que permite um agrupamento de países com comportamentos semelhantes. Adicionalmente, a utilização de técnicas de análise estatística multivariada, como a análise de clusters com base na posição que cada país ocupa no ranking do WSQ, permitiu perceber qual o agrupamento natural dos dados.
No WSQ2017 (também já publicado em revista internacional), os grupos criados com base na pontuação assemelham-se aos grupos que advêm da análise de clusters, nomeadamente é de frisar que esta última criou dois grupos, no qual um deles é composto por todos os países dos grupos Leading e Follower, assim como 5 países do grupo Moderate, pelo que no outro grupo estão os países do grupo Beginning, Lagging e os restantes países do grupo Moderate. Além disso, analisando cada ramo do cluster resultante da análise dos 110 países, é possível detetar países geograficamente similares, o que corrobora a diversidade da qualidade dos diferentes países ou regiões geográficas e também os grupos que foram criados.
De entre os resultados, houve algo que a tenha surpreendido ou que considerasse inesperado? Se sim, pode indicar-nos o quê?
CC: O grupo Leading é constituído por países europeus e pela Austrália, o que, de certa forma, é expectável, uma vez que, sendo este score calculado com base nos valores dos rankings que cada país ocupa para cada indicador e, tendo os países europeus boas classificações nos rankings de cada indicador, individualmente, seria esperado que, no valor global, obtivessem boas classificações. Dentro dos países europeus, os países escandinavos fazem parte deste grupo, o que constitui um nicho de países já usualmente caraterísticos e passíveis de serem bom exemplo ao obterem bons resultados noutras áreas. O grupo Follower é constituído por países da América do Norte. Os países da Ásia, por sua vez, encontram-se espalhados pelos grupos Moderate, Lagging e Beginning. Os países africanos, por seu turno, encontram-se no grupo Beginning, o que denota o facto de estarem a dar os primeiros passos no que à qualidade diz respeito.
É de salientar o bom desempenho da Europa, pois dentre os países europeus constantes do estudo (num total de 110), estes aparecem nas primeiras 54 posições, estando na primeira metade dos países em estudo. Fazendo um zoom in na Europa, os países da União Europeia que estão neste estudo aparecem nas primeiras 38 posições. Com isto, e sem surpresa, a Europa aparenta estar bem posicionada em termos de liderança da qualidade.
Que áreas (indicadores) considera mais viáveis apostar para que Portugal possa, a curto e médio prazo, subir de lugar neste “ranking”?
CC: No WSQ2017 Portugal encontra-se no grupo Follower, ocupando a posição 24 (de 110) com uma pontuação global de 35,073. As posições de Portugal ao longo dos 16 indicadores variam entre a posição 5 (para o indicador “número de membros na Academia Internacional para a Qualidade”) e a posição 83 (para o indicador “taxa de desemprego”). Assim, e como a pontuação global WSQ segue uma lógica de “quanto menor o valor, melhor”, facilmente se conclui que a taxa de desemprego deve ser um dos indicadores a ter em conta. Além disso, dimensões como a Educação, Coesão Social e Satisfação requerem um olhar atento de Portugal, por forma a potenciar melhoria nestas áreas e, consequentemente alcançar um melhor desempenho global na qualidade.
Em suma, o WSQ permite olhar para a “qualidade da Qualidade” permitindo que os países definam estratégias e políticas e encontrem áreas de melhoria, no que à Qualidade diz respeito.
Mais informações em wsq.dps.uminho.pt